Em 1974, o selo Continental lançava um disco estranho, com o nome da banda bem grande na capa: Paulo Bagunça e A Tropa Maldita, que fez especialmente a cabeça da galera roqueira. A expressão Bagunça já era uma certa provocação, Tropa Maldita, então, nem se fala, mas o mais intrigante era mesmo o som dos caras, que a mídia da época classificava de "pop eletrônico".
Apesar de homogêneo, o disco permite destacar algumas canções, pela sua avançada concepção, especialmente 'Grinfa Louca' (com uma batida afro alucinada) e 'Madalena' (um samba carnavelesco à la Jorge Ben, com presença de algo parecido com um moog, que dá um toque eletrônico à música). Com uma concepção arrojada de percussão, que também lembrava Santana, em certos momentos, algumas canções, como 'Apelo' ainda traziam climas orquestrais, resultado da participação do maestro Laércio de Freitas, responsável pelos arranjos do disco.
O disco não podia ser mais emblemático e futurista, fundindo as influências mais estranhas, indo de Jorge Ben aos ingleses Traffic, passando por percussão afro, levadas de jazz e outros sons negros da época. Em 72, em entrevista ao jornal Rolling Stone, o próprio Bagunça definia sua música como algo "que vem lá de dentro, do coração, da caverna, dos sonhos e pesadelos". Na mesma época, Nelson Motta destacava o humor da banda, e outros críticos identificavam influências de Bob Dylan, John Mayall e outros expoentes da época (e de sempre).
Oriundos da Cruzada de São Sebastião, na cidade do Rio de Janeiro, o grupo surgiu em 1972, em um festival de música organizado pela própria comunidade. Além de Bagunça, cantor e principal compositor, a banda contava com Guerra (atabaque), Oswaldo (violão), Gelson (bongô) e Flávia (baixo). Até a gravação do único disco, a banda destacou-se na cena underground do Rio de Janeiro, realizando shows no Teatro de Bolso e outros locais.
Texto publicado originalmente no site www.senhorf.com.br.
...Macau, um dos três garotos negros que criaram, em 1969, uma das grandes experiências musicais perdidas da MPB, a banda Paulo Bagunça e a Tropa Maldita. "É o soul latino! O som negro do Harlem carioca", escreveu Nelson Motta na época. "É a fusão de Santana com o samba", assinalou um jornal.
No mesmo cenário em que emergiam grupos como O Terço e Secos e Molhados, a Tropa Maldita representava a gênese do movimento Black Power no Brasil. Macau, ou Osvaldo Rui da Costa, está hoje com 60 anos. Após 42 anos de carreira, somente esta noite é que ele lança em São Paulo seu disco de estreia, Macau do Jeito Que Sua Alma Entende, no Sesc Pinheiros. Quando tinha 20 anos, Macau tinha a seu lado o talento, a sorte, a ousadia, o destemor. Ao chegar de Los Angeles, no início dos anos 1970, Tim Maia já tinha ouvido falar de sua banda e os chamou para perto de si. Abriam shows de Tim, conviviam com Hyldon, Cassiano, Oberdan, Dom Salvador, Fábio.
Mas, como naquele aforismo, cavalo encilhado não passa duas vezes. As rádios não queriam tocar o disco do grupo porque achavam o nome da banda meio assustador. "Batemos na trave", diz Macau, que passou do céu ao inferno da MPB em poucos meses. "Paramos naturalmente, a banda foi se desfazendo. Você sabe: negro, pobre, sem condição social, tem de arrumar trabalho para sustentar a si e à família", conta.
É aí que começa a segunda parte não tão glamourosa da vida de Macau. Um dia, já quase esquecido, acompanhava uma exposição escolar no Estádio do Remo do Flamengo, quando foi convidado pela Polícia Militar a ir a um lugar reservado. "Virei suspeito. Meu cabelo rastafári, minha roupa incomum. Havia um sargento me observando, quis ver meu documento. Eu não tô fazendo nada, eu disse. Me levou à força. Você é muito folgado!"
No bate-boca com o sargento, Macau deixou vazar seu inconformismo com a situação. "Qual é o problema com o meu cabelo? Qual é o problema com a minha roupa? Se você tirar essa farda, é um sarará criolo, que nem eu!" O sargento, também negro, não gostou. Mandou sumir com ele.
"Me trataram como um lixo humano, fiquei numa jaula, como uma lata de biscoitos, no 14.º DP, com tanta gente dentro que minhas pernas não conseguiam se mexer. Fui salvo por um padre da pastoral, Bruno Trombeta, e pelo meu amigo Paulinho Bagunça, que era salva-vidas na praia. Achavam que eu já estava morto quando me acharam."
Macau saiu revoltado. Quiseram levá-lo para casa, ele não foi. Foi caminhando até a praia do Leblon. "Virou um campo minado dentro de mim. Fiquei olhando para o mar, chorando, pensando em qual a maneira de revidar. E foi quando escrevi essa letra, Olhos Coloridos".
Ele não fez a música para gravar, era uma forma de extravasar. Macau só a tocava (com outras inéditas de seu repertório) num sarau em casa, no qual reunia amigos. Passou quase 10 anos na gaveta. Mas aí, um dia, precisando de dinheiro, foi tentar mostrar uma fita com suas composições para Durval Ferreira, na Som Livre.
Levou um chá de cadeira de mais de 6 horas, até que Durval apareceu para lhe dizer que o ano já tinha acabado, canções novas só no ano seguinte. "Quando ele ouviu Olhos Coloridos, os olhos azuis dele brilharam. Mandou chamara a Sandra de Sá imediatamente. Ela estava no estúdio terminando. Quando ela apareceu, parecia que eu a conhecia de outra dimensão. Não era uma estranha para mim. E ali se formou um trio."
Em 1982, o ano em que nasceu Quênia, a filha de Macau, Olhos Coloridos ganhou o Brasil. "A música foi lançada nos Trapalhões, o Programa do Didi. Eu estava morando na Rocinha, não tinha TV. Fui ver na casa de um tio. Parecia que eu estava milionário."
Aí começa a terceira vida de Macau, que desemboca nesta quinta-feira, 26, no Sesc Pinheiros. Olhos Coloridos foi gravada pelo britânico Jim Capaldi na Inglaterra e pelo grupo Les Étoiles, na França. Suas composições foram gravadas por Eliana Pitman, Rosana, Seu Jorge, Dom Mita, Adelmo Casé, Preta Gil, Eletrosamba. Fez parcerias com Luiz Melodia (seu compadre, padrinho de sua filha), Durval Ferreira, Marisa Grecco, Raul Menezes, entre outros.
"Então, quando você me pergunta: ‘por que demorou 42 anos para chegar aqui?’ Eu respondo: porque eu ainda estava organizando", responde.